Nunca as circunstâncias transformaram tão rapidamente um homem banal num homem que pode ser providencial.
Pedro Passos Coelho é um exemplo impressionante de como a conjuntura pode fazer um forte candidato. Nunca as circunstâncias transformaram tão rapidamente um homem banal num homem que pode ser providencial. Uma raridade, que se deve, essencialmente, à crise estrutural do PSD. Perante dois candidatos, Santana Lopes e Ferreira Leite, que representam um passado repleto de intrigas e fracassos, Passos Coelho, para além de ser uma lufada de ar fresco, não tem anticorpos profundos nas duas candidaturas em virtude de não ter estado, directa ou indirectamente, envolvido, na guerra intestina dos últimos quatro anos. Enquanto a vitória, quer de Santana Lopes como de Ferreira Leite, amputam o partido da outra parte da contenda, tal o grau extremado a que o conflito chegou, enfraquecendo o PSD e diminuindo o potencial de alternância política do partido, a vitória de Passos Coelho deverá ser congregadora, mobilizando tanto as forças que apoiaram Santana como Ferreira Leite. De forma a que o partido avance e vire uma página negra da sua história, de autêntica guerra civil. Quando hoje Ferreira Leite diz que as pessoas descrêem do PSD, face à instabilidade do passado, e que é difícil o partido constituir-se em alternativa política, afirmando, por isso, a necessidade da sua vitória, está, por ironia, a abrir mais espaço político à candidatura de Pedro Passos Coelho. Exactamente porque Ferreira Leite transporta em si o gérmen da destruição, que foi introduzido no PSD com os tiros de dentro da trincheira, quando Santana Lopes foi líder do partido e primeiro-ministro. A história é muitas vezes irónica e cruel. Como se houvesse uma mão invisível para regular as condutas éticas e penalizar as suas violações, os cavaquistas têm de pagar, obviamente, o preço pelas suas intrigas. Quanto a Santana o seu problema não passa pelo domínio da ética. Santana é um homem genuíno. O problema de Santana, foi o erro original de não se ter sufragado em 2004 e de se deixar apoucar por Jorge Sampaio. O próprio já reconheceu este erro várias vezes e, na ânsia de o corrigir, de deixar de remoer e acalmar-se interiormente, não tem saído de cena desde 2005. Ora, acontece que o erro de Santana em 2004 não parece corrigível, como acontece com muitas fatalidades na vida.
Pedro Passos Coelho tem, assim, todas as condições para ganhar o PSD. Não é por acaso que o candidato tem hoje o apoio de dois homens do aparelho, como Miguel Relvas e Marco António, com faro para perceber onde está o maná. A surpresa que constituiu a vitória de Luís Filipe Menezes em Setembro de 2007, é também um bom prenúncio para si. Entre todas as dificuldades, os militantes do PSD parecem ter consciência do fundamental: a história faz-se andando para a frente, com figuras novas. Se Marques Mendes ainda não tinha sido sujeito às urnas e perdeu o partido, o que dizer de Santana Lopes, derrotado em 2005 por Sócrates e Ferreira Leite, com a imagem desgastada por um exercício excessivo de contabilidade, enquanto ministra das Finanças, desvalorizando a política económica. O exemplo de Sócrates é também um incentivo para Passos Coelho. Só depois de António Guterres, um homem que conseguiu resistir à tentação de não acertar contas com o desastre de 2001, e, sobretudo, António Vitorino terem dito que não eram candidatos à liderança socialista, Sócrates avançou. Praticamente sozinho, com a desvantagem de dividir o campo guterrista, já que António José Seguro também queria o lugar, Sócrates arrepanhou apoios em todos os sectores. Como pode acontecer com Pedro Passos Coelho. Tal como diz hoje do candidato do PSD, Sócates também não tinha projecto nem programa. Mas ele rapidamente apareceu. Como pode acontecer com Passos Coelho.
É verdade que o hoje primeiro-ministro tinha no curriculum o cargo de ministro do Ambiente, com o exercício determinado da co-incineração, o que lhe imprimiu uma imagem de decisão e tenacidade, e que Passos Coelho é um homem praticamente sem trunfos pessoais. Porém, no panorama actual do PSD, estas desvantagens podem não ser determinantes. Passos Coelho tem, aliás, algumas semelhanças com Sócrates. O seu curso superior foi tirado já numa fase mais tardia da vida. Passos Coelho é economista e Sócrates tem uma graduação na mesma área. Sócrates não é um intelectual ou um literato, nem sequer um homem com um pensamento profundo. Pelo que já se viu, Pedro Passos Coelho tem as mesmas características. Tanto um como outro são homens do momento, para o momento, da gestão e do pragmatismo. Curiosamente, ambos compensam ou disfarçam algumas das fragilidades com ideias modernas e ousadas, como é o casamento para os homossexuais. Por último, tanto Sócrates como Passos Coelho são o que é tradicional chamar-se dois homens bem apessoados, o que nos tempos fúteis que se vivem, não são trunfos de menosprezar. Passos Coelho pode, porém, ter um benefício em relação a Sócrates. É o primeiro representante da geração que não viveu o PREC a chegar à política, o que pode cativar a faixa significativa de um eleitorado da mesma geração que sempre esteve mais dedicada às suas profissões do que à política, até identificando-se com o percurso de Passos Coelho.
Assim, para além de ter condições para ganhar o PSD, Passos Coelho tem condições para disputar o lugar a Sócrates. Naturalmente que a tarefa não é fácil. Sócrates está a meio do seu ciclo político e não é ainda certo se vem aí a calamidade económica e social. Mas Passos Coelho tem alguns trunfos nesta contenda. Sócrates desperta, cada vez mais, sentimentos extremados. Ora, quem o odeia, e são muitos, mesmo no eleitorado do PS, não vai votar no PS. Por outro lado, e apesar de Sócrates recentemente estar a fazer pela vida à sua esquerda, o PCP e o Bloco de Esquerda têm subido nas sondagens. Ou seja, Sócrates pode perder votos à esquerda sem os conseguir manter (ou conquistar) à direita, sobretudo com o efeito novidade de Passos Coelho.
E se Passos Coelho perder para Sócrates? Se Ferreira Leite e Santana Lopes ficam com as suas carreiras desfeitas com uma derrota nas legislativas de 2009, tal pode não acontecer com Passos Coelho, podendo repetir, de algum modo, o que aconteceu com Durão Barroso em 1999, perdendo as legislativas para Guterres mas voltando a ganhar o partido. A juventude e, talvez, a ausência de uma alternativa política (depois do aparente afastamento e desinteresse de Paulo Teixeira Pinto) podem constituir os grandes trunfos de Passos Coelho após 2009. Isto numa altura, também, em que Alberto João Jardim pode já não ter condições para causar um terramoto no partido e no país porque, espantosamente, Pedro Passos Coelho conseguiu dar um sopro de vida ao actual de sistema, erigindo-se em alternativa, com um projecto, um programa, uma equipa. Não interessa se faz, ou não clivagem com o PS. Provavelmente não fará. O que interessa é que as coisas mudam. Mesmo que seja para tudo continuar na mesma, seguindo a lógica tradicional da estabilidade dos sistemas.
Por (Paulo Gaião in o Semanário)